A BR-070, em Goiás, é a nova líder em assaltos a ônibus interestaduais. É o que revela um levantamento feito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com base nos registros de 2015, obtido pelo G1.
São 22 ocorrências no trecho da rodovia federal que cruza o estado – o que representa 8% do total de crimes do gênero praticados em todo o Brasil no ano passado (260).
O aumento de casos na rodovia ajudou a colocar Goiás no primeiro lugar do ranking de assaltos, ultrapassando Minas Gerais. São 74 assaltos nas rodovias do estado do Centro-Oeste em 2015.
O Brasil, no entanto, tem registrado uma queda nos assaltos a ônibus ano a ano. Em 2014, foram 277 casos; em 2013, 311 registros.
As ocorrências são repassadas à ANTT pelas empresas. A legislação obriga que elas informem o registro de acidentes e assaltos envolvendo serviços de transporte rodoviário interestadual. Há hoje 260 empresas operando no país em 2.762 linhas diferentes.
Os problemas da BR-070 não estão restritos a Goiás. No trecho do Distrito Federal, a rodovia abriga outros 16 casos de assalto no ano passado. Para entender o que se passa na região, o G1 percorreu por um dia todos os terminais e paradas de ônibus às margens da BR-070, entre Águas Lindas de Goiás e Brasília.
A equipe de reportagem ouviu dos passageiros diversos relatos de violência e, após horas tomando depoimentos, constatou: é mais difícil encontrar alguém que não tenha sido vítima que o contrário.
O laqueador de móveis Marcos Rodrigues, de 51 anos, se recorda todos os dias dos momentos de tensão na rodovia. Ele viajava com o filho quando foi surpreendido por assaltantes. “Roubaram dinheiro, aliança, tudo. Medo é pouco para o que a gente sente.”
OS 5 TRECHOS MAIS PERIGOSOS
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RODOVIA | Nº DE ASSALTOS |
BR-070 - GO
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22
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BR-060 - DF
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21
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BR-070 - DF
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16
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BR-101 - AL
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15
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BR-040 - GO
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14
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“Ir à delegacia registrar assalto em ônibus indo para Brasília é rotina. A gente chega à polícia e o pessoal já pergunta: ‘Foi roubada no ônibus?’, conta a caixa de supermercado Isielma Machado Pinheiro, de 30 anos. Ela mora em Águas Lindas de Goiás e viaja em ônibus interestaduais diariamente para ir ao trabalho, na cidade-satélite de Taguatinga (DF). No percurso, segundo conta, foi assaltada duas vezes apenas no último ano.
“Já roubaram meu celular e minha bolsa. Só em uma semana fiquei sabendo de duas colegas que foram assaltadas neste mesmo trajeto. É difícil. A gente registra o caso na delegacia, mas não adianta nada”, afirma.
Na 1ª Delegacia Distrital de Polícia de Águas Lindas de Goiás, que apura os assaltos na rodovia, o titular, Ricardo Pereira Gonçalves dos Santos Júnior, admite a piora nas estatísticas. “É um número que só vem aumentando pela falta de oportunidade e pela educação precária na região. Trata-se de um problema social grave”, diz.
O delegado afirma que o percentual de solução dos casos, considerados crimes contra o patrimônio, é de 20%. Ele diz dispor de apenas cinco policiais para investigar o tipo de crime. “Há 200 mil habitantes em Águas Lindas de Goiás. É humanamente impossível que consigamos apurar tudo.”
Segundo Santos Júnior, a estrutura deficiente também impossibilita o trabalho. A perícia, por exemplo, jamais é feita. “O máximo que acontece é a gente tirar foto. Como é que nós vamos identificar e punir os autores sem colher impressões digitais, sem ter uma perícia aprofundada, uma filmagem? Mas, mesmo em meio a dificuldades, já foi possível identificar responsáveis por alguns dos casos”, diz.
Medo
Os profissionais que trabalham nas rotas entre Goiás e o Distrito Federal são testemunhas da onda de assaltos na rodovia. No terminal de ônibus do Jardim Brasília, em Águas Lindas de Goiás, todos os motoristas abordados pelo G1 afirmaram ter sido vítimas do crime na BR-070.
Motorista diz que assaltos são rotina no trajeto
(Foto: Murilo Velasco/G1)
Ralme Bandeira dirigia o ônibus alvo do último assalto do ano passado, ocorrido em dezembro. Ele conta que o modo de agir dos criminosos é sempre o mesmo. “Eles entram em três. Um rende o motorista com uma arma na cabeça e os outros vão pegando as coisas dos passageiros, sempre armados. Depois disso, descem e fogem tranquilamente”, diz.
Cristiano Garcia da Silva, que também é motorista e trabalha há cinco anos na rodovia, afirma já ter presenciado três assaltos, todos no último ano. “O medo que a gente sente não tem nem palavras. Você sair para trabalhar e não saber se vai voltar vivo. E o pior é que parece não ter solução.”
Os assaltos são tão recorrentes que há casos em que os motoristas conseguem prever a ação dos criminosos. A aposentada Rosimar Ferreira, de 63 anos, passageira de um ônibus que sai de Taguatinga em direção a Águas Lindas de Goiás, conta que em uma das viagens o motorista percebeu uma movimentação estranha dentro do veículo. Ele, então, simulou um problema mecânico e parou em um posto policial.
Aposentada diz que só escapou porque motorista
notou ladrões no ônibus e parou em posto policial
(Foto: Murilo Velasco/G1)
“Quando passou a divisa e entramos em Goiás, o motorista notou que eles eram ladrões e parou o ônibus. Ele pediu para todos descerem. Quando descemos, a polícia já estava lá e abordou os três suspeitos, que estavam com coisas roubadas de outro carro”, relata.
A Polícia Rodoviária Federal não tem um levantamento de todos os casos de assalto no país, pois o registro da ocorrência é feito nas polícias judiciárias. Mas a corporação utiliza os dados da ANTT para basear as ações de combate.
Segundo a corporação, o setor de inteligência tem buscado, com base nos números, mapear os trechos críticos. A PRF diz ainda que tem feito patrulhamento das áreas de maior risco, como a BR-070, e operações especiais de combate ao crime.
O órgão diz que há um trabalho em cojunto com a Polícia Civil para tentar identificar as quadrilhas, mas ressalta que, como são pequenos grupos agindo, a tarefa é difícil.
Áreas de perigo
Além da BR-070, outras rodovias também registram um número alarmante de assaltos. É o caso da BR-060, no Distrito Federal: 21 casos no ano passado.
A BR-101, em Alagoas, também é uma das recordistas. São 15 casos apenas em 2015. Neste caso específico, são feiras artesanais que atraem tanto os turistas quanto os criminosos, que aproveitam a grande quantidade de pessoas viajando para realizar as abordagens.
A PRF recomenda que os motoristas e passageiros jamais reajam a um assalto e pede aos condutores que só parem em pontos regulamentados durante o trajeto, evitando abordagens. A corporação também aconselha os passageiros a não levar bens de valor e altas somas em dinheiro nas viagens.